Se correr, o fiscal ambiental pega; se ficar, a energia some. Essa adaptação do ditado popular resume bem os desafios relatados pelos produtores rurais no Noroeste do Estado que participaram da audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quinta-feira (30/11/23), na Câmara Municipal de Paracatu.
No primeiro caso, denunciaram a falta de padronização nas fiscalizações, exigências esdruxulas, burocratização excessiva, multas e taxas excessivas mesmo em casos em que o próprio fiscal atesta que não houve dano ambiental e, resumindo, atuação unicamente repressiva em detrimento de ações preventivas e educativas.
Com relação aos serviços da Cemig, os entraves seriam ainda mais graves, pois podem inviabilizar empreendimentos produtivos em Paracatu, município que tem a maior área irrigada do País por aspersão. Em segundo lugar, está a vizinha Unaí. A região é a maior fronteira agrícola atual do Estado.
Com variação de tensão, queda de fase ou simplesmente a interrupção do fornecimento de energia, os pivôs centrais de irrigação simplesmente deixam de funcionar, ameaçando as lavouras justamente em meio a mais um período de seca na região, quando a insegurança energética se agrava.
Coube à presidenta da Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de Minas Gerais (Irriganor), Rowena Betina Petroll, resumir o drama enfrentado pelos colegas produtores que, segundo ela, remonta a pelo menos 20 anos. A Irriganor reúne 545 associados responsáveis e 400 mil hectares produtivos.
Segundo Rowena, a maior parte das obras milionárias de ampliação da rede seriam financiadas inclusive pelos próprios produtores, mas quase sempre o cronograma de entrega não é cumprido.
“A oscilação torna nossa situação caótica nos meses de maior uso de água. Se eu ligo o meu pivô, o do meu vizinho pára”, aponta Rowena. O período noturno é o ideal para irrigação das plantas e a energia é mais barata, mas ela cobra que quem não consegue fazer isso à noite deve ter desconto se precisar fazer isso de dia.
O analista de Relacionamento com Clientes da Cemig, Carlos Augusto Alves Alencar, reconheceu os problemas relatados, mas garantiu que investimentos de R$ 145 milhões já em andamento vão começar a mudar esse cenário, a partir do próximo ano.
Na sua apresentação, ele detalhou todas as ações em curso, como o Programa Minas Trifásico, que tem privilegiado regiões com grande potencial produtivo, como é o caso do Noroeste mineiro.
Entre as obras, estão melhorias na rede de transmissão e 127 novas subestações, praticamente o dobro das 64 subestações construídas entre 2018 e 2022. Somente em Paracatu, segundo ele, serão três subestações novas e a reestruturação das três existentes.
Essas intervenções, segundo ele, ainda são um desafio para a empresa devido a problemas como embargos judiciais para intervenções em propriedades privadas, subnotificação de demanda por parte dos consumidores, entraves em licitações e até dificuldade para contratação de mão de obra, justamente pela competição com outros setores produtivos da região, em franco crescimento.
“Vale lembrar que a Cemig não ganha dinheiro fazendo obra e sim fornecendo energia. Se ela falta, é problema para a empresa também. Reconhecemos que ainda há um problema, mas temos nossas dificuldades. Também sou consumidor, sei que tudo depende de energia e por isso pedimos desculpas”, afirmou o executivo da Cemig, que prometeu encaminhar para a direção da empresa todos os relatos feitos na audiência.
Liderança dos irrigantes denuncia excesso de discricionariedade
Atuando como porta-voz dos irrigantes do Noroeste mineiro, Rowena Petroll ainda apontou na audiência o “excesso de discricionariedade” dos órgãos de fiscalização ambiental, cobrando a padronização das análises, o fim de condicionantes “descabidas e sem viabilidade” e uma atualização de leis e normas infralegais de forma a simplificar e garantir seu cumprimento.
Segundo ela, a legislação garante inclusive o depósito de valores em juízo enquanto se recorre da punição, mas o Estado não permite isso.
O superintendente de Fiscalização da Semad, Gustavo Endrigo de Sá Fonseca, garantiu que, ao contrário da impressão geral, o ponto central da atuação dos fiscais na região é a prevenção e não a repressão, com uma agenda educativa extensa, dentro do compromisso de combate às mudanças climáticas e seguindo estritamente o que permite a legislação.
Ele citou, por exemplo, o Programa Minas contra o Desmatamento, lançado há alguns meses e que tem como pilar o diálogo direto com as prefeituras justamente para privilegiar ações educativas em vez de repressivas. As prefeituras de Paracatu e da vizinha João Pinheiro já teriam aderido e o programa está na fase final do acerto das ações práticas.
“O servidor público é responsável por fiscalizar o cumprimento da lei e o cenário na Região Noroeste é positivo, pois 94% dos processos requeridos são respondidos dentro do prazo regulamentar”, apontou, ao lembrar que o desmatamento ilegal, tema das autuações, é justamente aquele feito sem uma consulta prévia aos órgãos ambientais.
Ele acenou também com a adaptação para o meio rural de um programa de fiscalização ambiental preventiva da indústria, que prevê, por exemplo, após ações de cunho educativo, um prazo de 90 dias para adequação.
Nesse período, segundo ele, somente são feitas fiscalizações emergenciais ou em atendimento a denúncias ou por exigência legal de outras instâncias públicas.
Requerimentos aprovados reforçam demandas
Ao final da audiência, a deputada Marli Ribeiro fez a leitura de diversos requerimentos com providências, que já foram votados e aprovados. Ela ressaltou justamente a urgência de medidas para contrapor os inúmeros problemas relatados pelos produtores do Noroeste do Estado.
O presidente da Comissão de Agropecuária, deputado Raul Belém (Cidadania), defendeu uma “relação pacífica” entre os órgãos ambientais e produtores rurais. “Também é do interesse do produtor rural preservar o meio ambiente para garantir a água que vai permitir que ele continue produzindo. Muitos outros setores não fazem essa preservação da forma como o produtor rural faz”, afirmou.
Ele também cobrou mais agilidade da Cemig em concretizar os investimentos necessários para alavancar o desenvolvimento do Noroeste mineiro.
O deputado Coronel Henrique (PL) destacou a importância da atuação da comissão, da qual é vice-presidente, na interlocução franca e democrática dos produtores tanto com a direção da Cemig quanto com os órgãos de fiscalização ambiental. “Precisamos ter a coragem de falar a verdade e defender aquele que produz, pois o produtor rural não é bandido. Mas, muitas vezes, é vítima de uma politica ambiental ideológica”, disse, criticando a atuação do governo federal no setor.
Por fim, o deputado Dr. Maurício (Novo) lembrou que também é produtor rural no Sul de Minas e reforçou a importância da flexibilização da legislação ambiental para atender demandas às vezes muito específicas e de caráter regional. Citou como exemplo o transtorno provocado na região pela disseminação de javalis, espécie exótica introduzida no início do século 20 cuja reprodução desenfreada agora ameaça áreas plantadas e rebanhos.
O manejo por meio da caça, polêmica e com idas e vindas na liberação, foi uma das cobranças feitas na audiência da Comissão de Agropecuária. “Todos temos o dever de preservar o meio ambiente, mas tudo tem um limite. Não pode um dano leve levar a uma multa de milhões e o contrário receber apenas uma advertência”, cobrou.
Fonte: ALMG