Diz uma famosa frase de Rui Barbosa que “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.
“Injustiça” talvez seja a palavra mais adequada para explicar como funciona o Poder Judiciário na punição de crimes e violência no campo no Brasil. Justiça Injusta, pois sempre atrasada, quando não impune.
Há 28 anos, as vítimas Manoel Barbosa da Costa, José Barbosa da Costa, Ezequiel Pereira da Costa, José Pereira de Oliveira e Francisco Oliveira da Silva foram assassinadas na beira do rio Itacaiúnas, perto de Marabá. Seus corpos foram amarrados e jogados no rio. A Chacina da Fazenda Princesa (como sempre ocorre no velho oeste, um nome despropositado) tornou-se um escândalo de dimensão internacional, mas, desde então, apenas a Justiça que movimentou-se para tentar garantir a impunidade que lhe é tão característica: nenhum dos acusados e responsáveis foram punidos.
É preciso investigar a relação da gravidade da impunidade dos crimes no campo com o aumento, a manutenção e o uso da violência como um instrumento político. Não é coisa simples. O mítico “sul do Pará”, famosa área de violência, pistolagem, não foi apenas velho oeste nos anos 1980, como revelou o assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo em 2011. O problema é que esses mesmos mecanismos de violência seguem sendo a regra local. O fazendeiro acusado pela morte do casal foi solto em julgamento realizado no dia 3 e 4 de abril. E o antigo mandante da Chacina, apenas agora, quase três décadas depois, teve sua prisão decretada.
“Esse caso demonstra claramente a ineficiência do Poder Judiciário em relação a punição de crimes ocorridos no campo”, me disse o advogado da Comissão Pastoral da Terra em Marabá, José Batista Afonso. “Uma chacina que ocorreu a 28 anos. Repito: o processo tramita há 28 anos. Sem que nenhum dos acusados tenha sido punido. Ocorreu aqui próximo a Marabá, na beira do rio Itacaiúnas. O crime ficou conhecido internacionalmente e o estado brasileiro responde a uma ação na OEA por não punir os responsáveis. E mesmo assim o processo tramita há 28 anos.”
É possível discordar de Batista. Talvez o caso não demonstre uma “ineficiência”, mas sim uma plena eficiência em garantir a impunidade, em proteger aqueles que fazem o jogo sujo do sistema, mas que são essenciais para o funcionamento dele. Qualquer ideia de que o Judiciário distribuiria alguma forma de justiça na região deve ser refutada. O Judiciário no interior do Pará (e não só), apenas funciona para garantir que a lei não seja aplicada. E de forma muito eficiente.
“Apenas entre 10% a 12% dos casos de assassinatos aqui na região que resultaram numa ação penal que foram concluídos. Isso é minoria absoluta dos crimes, é muita impunidade. Talvez um a cada cinco crimes tenha resultado em ação penal, e dessas, a média de 10% a 12% é que os responsáveis foram levados ao júri.”
Ser levado ao tribunal do júri não significa, de forma alguma, a chance de punição. Especialmente se o júri for realizado em Marabá. É uma situação difícil ver os jurados condenaram assassinos e mandantes de crimes de conflito fundiário. E quando ocorre, a velha regra de apenas a ponta do consórcio sempre prevalece. O pistoleiro cai, mas o patrão segue na terra. E mesmo quando o pistoleiro vá para a cadeia, como foi o caso de Rayfran das Neves Sales, assassino confesso da irmã Dorothy Stang em 2005, não é por muito tempo. Fogoió, como ele é conhecido, já está solto.
Marlon, 28 anos depois da chacina, talvez não consiga, por enquanto, viajar ao exterior. É possível que seja condenado e vá para a cadeia, onde estava quando o STJ o soltou. Ainda assim, ainda que a lei seja finalmente cumprida, tão atrasada terá vindo a tutela judicial, que será uma “injustiça qualificada e manifesta”, como diria Rui Barbosa.
Confira abaixo nota da Comissão Pastoral da Terra sobre o caso da Chacina da Fazenda Princesa:
FAZENDEIRO ACUSADO DE CHACINA EM MARABÁ TENTA FUGIR DO BRASIL E TEM SUA PRISÃO DECRETADA
O juiz Edmar Silva Pereira, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, decretou a prisão preventiva do fazendeiro Marlon Lopes Pidde, acusado da chacina de 5 trabalhadores rurais no município de Marabá, em 27/09/1985. O crime ficou conhecido como chacina da Fazenda Princesa. O processo já tramita na justiça paraense ha 28 anos e, até agora, nenhum dos acusados foi julgado pelos crimes cometidos.
O Ministério Público, tomou conhecimento de que o Fazendeiro Marlon encontrava-se na sede da Polícia Federal do Estado de São Paulo tentando tirar seu passaporte. O acusado pretendia empreender fuga do Brasil e se furtar do julgamento que deverá ser marcado nos próximos meses. Atendendo ao Pedido do MP, o juiz decretou de imediato sua prisão preventiva.
O Fazendeiro Marlon Pidde, acusado de ser o mandante do crime, passou 20 anos foragido. Foi preso pela Polícia Federal no final de 2006. Na época, estava residindo em São Paulo e usava nome falso. O fazendeiro passou apenas 4 anos e 8 meses preso. Em Agosto de 2011, o STJ mandou soltar Marlon alegando demora da Justiça Paraense em levá-lo a julgamento.
Logo após sua prisão, os advogados da CPT e da SPDDH (que atuam na assistência da acusação), em conjunto com o Ministério Público, ingressaram com PEDIDO DE DESAFORAMENTO do julgamento para a comarca da Capital em junho de 2007, no entanto, o Tribunal só julgou o pedido no dia 08 de fevereiro de 2010, ou seja, quase 3 anos para julgar um recurso que deveria ser julgado em menos de 6 meses. Em seguida, a defesa de Marlon interpôs os recursos Especial e Extraordinário contra a decisão do Tribunal que desaforou o julgamento para Belém. Novamente o Tribunal demorou, exageradamente, apenas para se manifestar sobre se admitia ou não os recursos. Foi mais de um ano para uma simples manifestação. Somando os dois prazos, o processo passou mais de 4 anos nos corredores do Tribunal. Uma demora sem qualquer justificativa. Era o argumento que a defesa de Marlon esperava e precisava para pedir sua liberdade com fundamento no excesso de prazo de sua prisão.
O caso ficou conhecido a nível nacional e internacional, em razão da crueldade usada pelos assassinos, chefiados por Marlon, para matar as vítimas. Os cinco trabalhadores foram sequestrados em suas casas, amarrados, torturados durante dois dias e assassinados com vários tiros. Depois de mortos, os corpos foram presos uns aos outros com cordas e amarrados a pedras no fundo do rio Itacaiúnas. Os corpos só foram localizados mais de uma semana após o crime. O caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, onde tramita um processo contra o Estado brasileiro.
Espera-se agora que o júri seja imediatamente marcado e que o fazendeiro Marlon e seu gerente José de Sousa Gomes prestem contas dos crimes cometidos. JUSTIÇA QUE TARDA É JUSTIÇA FALHA.
Marabá/Belém 08 de julho de 2013.
Comissão Pastoral da Terra – CPT diocese de Marabá.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – DPDDH.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará – FETAGRI
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá
fonte:http://www.cartacapital.com.br